O preferido de Anaïs
Mas um amor ocasional como forma de conforto e alívio era bom também, e ele não se considerava uma pessoa ingrata. Pelo contrário: ele sentia uma gratidão ardente e comovida por gestos de bondade natural e espontânea, indo quase às lágrimas. Atrás de seu rosto pálido, impassível e desiludido, sua alma de criança soluçava de gratidão à Connie e ardia com o desejo de revê-la; assim como sua alma renegada sabia que, na realidade, ele e ela nunca seriam um.
Michaelis era um amante nervoso e inseguro, cujo gozo vinha depressa e terminava logo. Havia muito de infantil e desprotegido em seu corpo nu: como as crianças são nuas! Suas defesas se acumulavam todas na inteligência, na astúcia, no seu instinto vital de astúcia, e quando este intinto estava adormecido ele parecia duplamente nu, criança de pele rosada e fina debatendo-se desesperada. Michaelis despertara nela um tipo selvagem de compaixão e ternura, e um desejo físico também, e aflito.
Ele escrevia a ela no mesmo tom choroso e melancólico, arejado por uma ou outra frase espirituosa, movido por uma afeição assexuada inexplicável. A afeição que ele sentia por ela se curvava a desesperança, e o distanciamento essencial permaneceu intocado. Ele era uma pessoa sem esperanças no coração, e queria ser uma pessoa sem esperanças. Ele maldizia a esperança. "Une immense espérance a traversé la terre", leu e algum livro - e seu comentário foi:
- E afogou desgraçadamente tudo o que valia a pena ter.
Connie e Michaelis tiveram um affair prolongado, trocando cartas e encontrando-se ocasionalmente em Londres. Bastava para propiciar a ela uma auto-afirmação sutil, um tanto irracional e despeitada: uma confiança quase mecânica em suas próprias forças, que vinha acompanhada de grande júbilo. Usava toda a alegria nova que descobrira para estimular Clifford. Naquela época ele escreveu suas melhores histórias, e viveu perto da felicidade ao seu modo estranho e torto.
Connie sempre tivera uma premonição de desesperança no seu romance com Michaelis, e a ligação com ele tinha espasmos ocasionais. Como ela sabia por premonição, o caso estava perto do fim. Michaelis tinha a compulsão de romper todos os elos e viver solto, isolado, absolutamente solitário outra vez. Quando os dias de alegria solta e contagiante se foram, passaram de vez, Connie tornou-se deprimida e irritadiça, e como Clifford sentiu saudades! Talvez se soubesse ele sonharia com a reunião deles dois novamente.
(O Amante de Lady Chatterley - D. H. Lawrence)
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