Meus delírios, divagações, realidades e esquizofrenias, a quem interessar possa. Se viestes até aqui por bem, ego venia divinus indulge. Se por mal viestes, qui unum manus imprecatio divinus indulge. Danger: "Reperio scrobis et doli". Os comentários relativos aos posts deste diário são de responsabilidade dos visitantes, bem como condutas impróprias de clonagem de identidade em outros sites. Dúvidas, reclamações, declarações de amor? Email-me.

09 janeiro 2008

Barangolismo não

"Menina A. Escrevo-te pois ando preocupada contigo. Sei que Jung já dizia que encontraríamos mais mundos e caminhos olhando para dentro, mas parece que andas a esquecer-te de como realmente és, pelo menos aos olhos dos outros. Em nada transparece essa instrospecção triste e melancólica que ando lendo, apesar de te conhecer há anos e saber que boa parte deste drama te faz imensamente feliz. Continua arisca, arredia aos modismos? Imagino que sim. Aqui, do outro lado do mundo, chego a visualizar tuas poses de gato nas mesas de bar, abrindo aquela cigarreira. Continuas a encantar-nos com o olhar grande e curioso, quase infantil? Não se engane: és um tipo raro ainda, que às vezes se esconde e não deixa o endereço, nem o telefone novo, fazendo aquela famosa "greve do mundo". Claro que tens teus momentos comuns, a maioria, no dia-a-dia, pegando ônibus (já tiraste a carteira?), comprando cremes que nunca lembra de passar, descendo o lixo (que pelo que soube andas a esquecer bastante), fazendo supermercado (que li que passou a não gostar). Uma dica: pega o mp3 e enfia o fone na orelha a todo volume, enfia um óculos escuro na cara (daqueles enormes que tu gosta) e faz as compras flutuando dentro do Bourbon). Ah, tem também aqueles dias que fica toda empolgada para fazer alguma coisa denoite e depois desiste na hora, "ajorjada", tipicamente geminiana, apesar de negar esta influência luminosa do sol. Mesmo nestes dias, sentada em frente a tv de pijaminha desbotado e sem emitir palavra, exalas um frescor de liberdade. O que acontece, cazzo, é que andavas com o nariz entupido e não sentia, entendeu? Não é brincadeira não a história da terrorista. De vez em quando a gente tem impressão mesmo que esse olhão que vai se fechando devagarinho com olhar de dúvida, tá na espreita. Assustador, mas quem te conhece sabe bem o docinho que tu é, que chora vendo passarinho morto, inclusive galinha depenada no supermercado. Claro que por um segundo a gente enxergou sim aquele olhão do medo. Tem quem só vislumbre esta parte, e nunca mais chega perto. Tolos... Bem que tentamos te fazer mais normal de vez em quando, mas no fim te esquivas das regras. Ainda bem, minha amiga! Quando se pensa que "tá na mão", escapole rapidinho, sorriso malicioso, como se dissesse "jura né?". Chego a ouvir tua voz rindo, que saudade... Se pensamos que está subjugada, é bobagem pura, pois age como quer, talvez aquele momento tenha sido tua escolha. Nada de barangandices e barangolismos, a graciosidade dos teus movimentos é tão natural... Não é aristocrático, porque teu porte não é bem aquele que desejavas, de menina reta sem graça. Tuas curvas te sacaneiam. Por isso mesmo insiste nessa intelectualidade meio masculina, desde o tempo do colégio, causando confusão nas mentes bobas dos meninos e fascínio nas poucas meninas que andavam ao teu lado. "Odeio ser o tipo gostosa", testa franzida, era uma frase engraçada. Aqueles bobos que se deslumbravam levavam cada susto. Eu bem que avisava: não vai passando a mão, é doce, mas arranha... Continua a gostar de vento e dançar sozinha? Aqui no prédio tem um terraço que sempre que subo à noite lembro de ti. Rodando contigo de mãos dadas até cair sem fôlego no chão, rolando de rir. Mais tarde, já maiorzinha, quase vomitando também, ui! Ai, que falta de classe, deve ter pensado, tentando esconder a verdade, mas sei que pensas e já ri, porque nem liga na verdade. Que rótulo o quê! Meninas assim não cabem em nenhuma definição. As demais, aquelas tontas, gostam de fazer mistério. Tu não precisa, é toda sincera, sai falando o que lhe convém, mas É o mistério em si. Por isso estou te escrevendo, para que não te esqueças algo básico do teu ser: tudo é simplesmente simples assim, perfeito, mesmo na dor, na dúvida, no medo. Se não, que graça que teria, mulher?? Coleciona perfumes ainda e de repente sai dando uns vidrinhos pros outros, bem louquinha? E se deslumbrando com coisas pequeninas do momento? Dessa vez é aquela escritora, dessa vez é este tipo de ativismo, dessa vez quer abrir um negócio, dessa vez desisite de tudo e quer ver o mundo. É a legítima durona que se apaixona, sonha acordada e tem insônia por amor. Mas ninguém nem imagina. As injustiças te angustiam, mas não deixas de ir lá ver, sofrer junto, mas tenta resolver, ao invés de desviar o olhar como aquele tipo comum: "ai, não posso com essas coisas, me deixam mal, triste...". Se revolta, briga, manda emails, que nem aquela vez da farra do boi que fiquei sabendo...Tu contra todo o estado de SC, hahaha. Trocaste o email por isso? Ah, não? Imaginei, fugir não é contigo. Quando se sente formiguinha e tão pequena, quase desistindo, chora sozinha escondida, respira fundo e continua. Lembro de arrumarmos as camas uma ao lado da outra, para dormir no chão. Combinamos assim: vamos dormir pensando nessas perguntas que de manhã a gente vai saber como fazer. Quase toda noite, quando ando mal, lembro dessa solução infalível que tu inventou nessa mente meio doente, e que nada resolvia, mas sabe que até que dá um alívio imediato? Apaixonada por pessoas e não por sexos, dizia enchendo a boca garbosa, movendo-se bela e poética entre os dois extremos da humana condição. Insisto que és rara, mas não toma-te como uma freak que imaginas que te imaginam, não é assim, calma! Não és uma aberração, um desvio evolutivo. Pelo contrário: és a mais arquetípica e genuína expressão da feminilidade, a eterna celebração do sagrado feminino. Acha que foi incompreendida? Lambe essa ferida e pronto, tá nova. Isso vai acontecer muitas e muitas vezes ainda, minha querida, pois tu não é para a maioria, nem tente. Só fascina os que não têm medo do feminino. A maioria das pessoas vai sempre torcer o nariz para ti, mas é de nervoso, sabe? Nervoso de se ver frente a frente com um espécime desse tipo, que eu particularmente me espelho. Por isso é que às vezes sobem correndo na primeira árvore. Mas é normal. Comigo também anda acontecendo, e muito. Mas depois eles descem, se aproximam desconfiados, trocam os cheiros...Saudade imensa, vê se me responde ô louca! Beijos!"