Meus delírios, divagações, realidades e esquizofrenias, a quem interessar possa. Se viestes até aqui por bem, ego venia divinus indulge. Se por mal viestes, qui unum manus imprecatio divinus indulge. Danger: "Reperio scrobis et doli". Os comentários relativos aos posts deste diário são de responsabilidade dos visitantes, bem como condutas impróprias de clonagem de identidade em outros sites. Dúvidas, reclamações, declarações de amor? Email-me.

26 agosto 2005

Sonho Ecumênico

Ela tossia, e tossia muito, sem parar. No início senti, sentíamos pena, pavor até. Depois inesperadamente a irritação, a vontade de gritar CHEGA! bem alto, de jogar um travesseiro na guria. Mas era um sentimento tão amoral que ninguém ousava pensar, quer dizer, pensava e logo PLIM!, despensava no ato. Nada me fazia conseguir dormir. Olhei para as camas ao redor, e simplesmente todo mundo estava acordado, umas com o travesseiro na cabeça, umas fumando na janela, outras sentadas na cama, joelhos dobrados e cabeça entre as pernas. De repente levantamos, uma a uma, e fomos averiguar o estrago. Os olhos da pobrezinha arregalados, mas opacos, a cada tossida o corpo levantava meio metro da cama. Não falava, nem conseguia, e respingos de sangue pulavam da boca escancarada a cada investida, nos fazendo recuar alguns passos.
**
E de repente, aconteceu. Foi rápido assim, sem ninguém esperar, sem ninguém combinar. A pegamos pelos cantos do lençol e solenemente caminhamos até o pátio, nem o frio sentíamos subindo pelos pés e pernas nuas. Cavamos, cavamos muito, como um bom cristão deve merecer, sete palmos. Delicadamente descemos o corpo sobre o lençol até lá embaixo. A escuridão nos impedia de ver os olhos, arregalados ainda. Depois de um tempo voltamos. Fumei meu primeiro cigarro. Dormimos, finalmente.
**
Pela manhã as Irmãs se assustaram e perguntaram dela. Respostas evasivas bastaram. Como era a mais velha, fui chamada ao gabinete para explicar. Não estavam nada zangadas, nem podiam. Tinham a deixado lá conosco para morrer mesmo, ao invés de deixá-la na enfermaria, perto demais dos alojamentos delas. Depois de uma ou outra resposta curta, pedi licença. Explicaram que fariam tudo certo, até com uma cruz de ferro forjado. Dei de ombros.
**
Quando já estava saindo pela porta ouvi a Madre: "Filha, a que horas ela...silenciou de vez?"
Pensei um pouco: "Não sei bem senhora, depois de uns 4 palmos de terra não ouvimos mais nada...".